julho 24, 2011

Texto e imagem no cinema - parte 2

O problema da falta de sensibilidade na apresentação dos letreiros sobre a ação narrativa só foi efetivamente resolvido quando Saul Bass começou a projetar estas sequências. Em um dos seus primeiros trabalhos no cinema, o letreiro de "Attack" (1956), Bass mostrou como os créditos poderiam dialogar com a ação, sem prejudicá-la. Vista hoje, esta sequência parece não conter nada de extraordinário, mas se analisada atentamente e, principalmente, se comparada aos letreiros que foram apresentados na postagem anterior, podemos considerá-la um trabalho praticamente revolucionário.

É interessante ver como Bass lida com a imagem cinematográfica neste letreiro, considerando-a "graficamente". Para começar, ele leva em conta o enquadramento tal como um designer considera uma folha de papel: orientando-se pelos seus eixos verticais e horizontais. Por outro lado, ele também considera a estrutura visual dos elementos contidos nas cenas. As informações tipográficas são inseridas de forma a criar um contraponto a essa estrutura visual e de forma a se equilibrar dinamicamente com os limites da tela. Segundo o preceito modernista (que Bass seguia), o equilíbrio dinâmico se estrutura nas composições assimétricas, isto é, não centralizadas. Sendo assim, os créditos não são apresentados de forma burocrática ou monótona, previsível. A informação tipográfica se sobrepõe à ação dinamizando o espaço da tela. Com grande senso de timing, Bass salpica os créditos em vários pontos da tela, de acordo com as "deixas" fornecidas tanto pela ação quanto pela estrutura visual da imagem.



Outro aspecto notável, é que Bass rompe com o velho paradigma de que quanto maior, mais visível - ou de que quanto mais importante, maior deve ser. Não é o tamanho da tipografia que conta, é o local e o momento em que a informação aparece. Desta forma, os créditos inclusive acrescentam uma nova camada de significado sobre a cena, ou pontuam os seus momentos mais significativos. No letreiro de "Attack" o título do filme aparece carregado de significado, no canto inferior, pontuando uma imagem desolada, que reflete a desilusão do tenente no momento em que o mesmo perde um dos homens do seu pelotão, graças à covardia do capitão que ignorou o seu pedido de cobertura (o vídeo acima apresenta só o letreiro, que na verdade surge após alguns minutos de narrativa - o início completo do filme, com a apresentação dos créditos pode ser visto aqui). O filme trata justamente da relação tensa entre os dois oficiais e, dentro do contexto da cena, Bass apresenta o título "Attack" com ironia, preparando o espectador para o tom do filme - uma versão nada heróica dos soldados americanos durante a 2ª Guerra Mundial.

No letreiro de "Attack", o texto trabalha para a ação filmada e não contra ela. Nada comparado ao que acontece no letreiro de "Pete Kelly's Blues" (abaixo), no qual os créditos são apresentados bem sobre o ponto focal da ação, enquanto que as áreas mortas não são exploradas.

 


Bass deu outra lição no letreiro de "The big country" (1958). O título do filme surge com significado, reforçando o que a imagem apresenta, acomodando-se à sua estrutura visual.


Com o tempo, as lições dadas por Bass acabaram por ser assimiladas, como podemos ver em letreiros contemporâneos:


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NOTA: No início desta postagem, os letreiros de "Attack" estão apresentados na proporção de tela originalmente pretendida para a exibição do filme - 1,85:1 - para que se possa ter uma noção melhor (e mais precisa) do resultado visual pretendido por Saul Bass. As versões dos vídeos estão em 1,33:1, proporção em que o filme foi rodado, considerando que posteriormente esta imagem seria "cropada" para a proporção 1,85:1 no momento da exibição, adequando-se ao formato widescreen das telas dos cinemas (formato que passou a ser usual a partir dos anos 1950). Quando foram exibidos na televisão e lançados em VHS ou DVD, estes filmes foram apresentados na proporção original em que foram rodados, já que o 1,33:1 se mostrava mais adequado para a proporção da tela dos televisores tradicionais (que é 4x3).

3 comentários:

  1. Inacreditável como, antes de Bass, ninguém tinha pensado em uma coisa tão evidente: a necessidade de harmonizar os letreiros com as imagens.
    Eu não chego ao ponto de considerar os letreiros um ruído no filme. Acho que eles podem sim cumprir tanto uma função narrativa quanto uma função meramente estética.
    Mas isso, desde que ela integre a composição da imagem, e não seja um mero aplique aleatório.
    O post foi muito bom, porque nos mostra que a forma como os títulos eram apresentados não retratavam a "estética da época", e sim um autêntico exemplo de ausência de estética.

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  2. Oi, Fernando,
    Tenho acompanhado seu blog e acho um trabalho muito bem feito. Gostaria de convidá-lo para fazer parte da minha banca de mestrado, cujo tema é o cinema de animação e a transição do analógico para o digital. Você aceitaria?

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    1. Oi, Malu. Aceitaria sim. Seria um grande prazer. Entre em contato comigo no graphicinema@gmail.com
      Obrigado por curtir as postagens do blog. Um abraço.

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