agosto 07, 2011

A inserção do design moderno nos letreiros dos filmes brasileiros - parte 1


O sucesso de Saul Bass como title designer nos anos 1950 contribuiu para criar uma febre de letreiros elaborados na década de 1960 e, por consequência, para o surgimento de vários outros title designers no mundo todo. Nos anos 1960, produzir um filme com um letreiro chamativo era cool. Revendo as produções cinematográficas brasileiras deste período, é possível verificar que a onda dos letreiros elaborados também atingiu o Brasil. Ainda que de forma esparsa e certamente limitada pelas deficiências econômicas e técnicas, há no país desta época projetos criativos e ousados, que merecem ser descobertos e reconhecidos. Percebe-se nestes letreiros nacionais uma tentativa de superar as dificuldades para estar em sintonia com os padrões de acabamento e de inventividade das produções dos grandes centros cinematográficos (como Hollywood) e ao mesmo tempo uma intenção de explorar justamente esta deficiência, utilizando-a como um estímulo à busca de soluções práticas e, de certa forma, mais "honestas" e adequadas ao estilo das produções.  Há também uma tensão estética, que resulta da opção de se projetar dentro dos modelos do design moderno dos norte-americanos (como Bass, por exemplo, que era influenciado, mas não seguia os princípios modernos a ferro e fogo) ou do design suíço (ancorado em princípios rígidos que se desdobravam da máxima “a forma segue a função”).

Norte-americanos: Saul Bass, Paul Rand e Henry Wolf
Suíços: Emil Ruder e Josef Müller-Brockmann

O início dos anos 1960 marca a introdução mais efetiva dos princípios modernos no design gráfico nacional. O designer Alexandre Wollner acabava de chegar da sua estadia em Ulm, Alemanha, na Escola Superior da Forma (HfG-Ulm), e implantaria no Brasil o modelo do International Style, que seguia os parâmetros “higiênicos” e neutros do good design estabelecido pelos designers suíços após o fechamento da Bauhaus (uso de tipos neutros e sem serifa, objetividade, racionalismo, pureza formal, uso de formas geométricas, recusa a elementos ornamentais, layout assimétrico, etc.). O modelo trazido por Wollner passa a ser seguido por outros designers e torna-se a referência do design gráfico de qualidade no país, sendo o padrão adotado pela primeira escola de design brasileira, a ESDI, fundada em 1963 e o modelo seguido por todos os cursos que surgiram em seguida. Por outro lado, o design gráfico norte-americano, que usava o vocabulário moderno de uma forma mais livre, com o intento de conquistar o público através de uma comunicação mais espirituosa, também chegava ao Brasil, porém mais através das agências de publicidade.

Projetos de Alexandre Wollner (anos 1960)


























A inserção do vocabulário moderno nos letreiros nacionais

A prática do uso de letreiros em filmes é tão antiga quanto a invenção do cinema. Desde cedo os letreiros foram utilizados como uma forma de diferenciar as produções, identificar sua procedência e reconhecer os profissionais envolvidos na sua feitura. Enfim, um apêndice do produto fílmico que funciona tal como um rótulo para um produto e uma capa para um livro. Aliás, o padrão gráfico dos tradicionais rótulos e frontispícios de livros foi o modelo estético principal dos letreiros até Saul Bass. O título do filme e os créditos eram apresentados na maior parte das vezes em cartões, diagramados de forma centralizada, rodeado por tradicionais ornamentos que variavam de acordo com o gênero do filme. Os letreiros só muito raramente eram explorados de forma expressiva. No Brasil e em outras cinematografias, o modelo dos cartões filmados era também adotado, assim como a prática (comum até hoje) de utilizar os letreiros sobrepostos à ação narrativa. Essa prática resultava sempre desastrosa (como já foi comentado em postagens anteriores do GRAPHICINEMA), já que o texto era empregado segundo os mesmos parâmetros do cartão filmado (em letras rebuscadas e gigantescas e com créditos acumulados formando pesados blocos de textos) que, quando sobrepostos à ação, obstruíam a cena e não se ajustavam ao enquadramento fotográfico da mesma.


As primeiras propostas de modernização dos letreiros de filmes no Brasil aparecem no final dos anos 1950, curiosamente nas tradicionais e populares chanchadas da produtora Atlântida. O letreiro do filme “Esse milhão é meu” (1958), projetado pelo artista plástico Milan Dusek, é uma animação limitada, que se apresenta numa estilização de clara influência modernista, em sintonia com o estilo das animações da produtora norte-americana UPA, que modernizou a animação entre o final dos anos 1940 e o início dos anos 1950. A sequência é uma atração à parte do filme, uma espécie de curta-metragem, uma bem humorada interpretação da narrativa, que satiriza suas situações e o cinema norte-americano.


O vocabulário gráfico moderno também está presente no letreiro da chanchada “O homem do Sputnik” (1959), que prepara o público para a narrativa apresentando uma divertida síntese gráfico-cinética dos acontecimentos, sendo digno de atenção pela forma como associa signos visuais aos créditos num divertido jogo perceptivo, no qual formas e textos pipocam pela área da tela, pontuados pela trilha musical. O momento mais notável fica por conta da apresentação dos créditos dos atores. O filme narra as aventuras de um pacato criador de galinhas que vê sua vida mudar a partir do momento que o Sputinik (satélite artificial lançado ao espaço pela União Soviética em 1957) cai no seu quintal. A partir daí o pacato indivíduo passa a lidar com o assédio da imprensa, da população e, principalmente, de três governos que querem lhe comprar o satélite: a União soviética, a França e os Estados Unidos. No letreiro a forma circular do Sputnik é utilizada como contêiner para os créditos dos atores principais. Um sinal emitido pelo satélite se converte numa forma gráfica que num primeiro momento separa os nomes das “mocinhas” dos “vilões”, e que, posteriormente, passa a ser utilizada como uma balança (ou gangorra) na qual ícones representando os três países citados (um chicote em forma de foice para a União Soviética, uma cama de casal para a França e uma garrafa de Coca-Cola para os EUA) disputam entre si e se equilibram com os créditos dos atores que representam os enviados de cada uma das três nações. No decorrer da sequência, holofotes, claquetes e câmeras de cinema aparecem ao lado dos créditos da equipe técnica, numa representação ao mesmo tempo icônica das suas funções e simbólica da narrativa (já que o personagem principal, pelo fato ocorrido, atrai a atenção dos meios de comunicação). Infelizmente, não se sabe quem foi o designer deste letreiro.


Também cabe destacar aqui os letreiros feitos pelo artista plástico (moderno, por sinal) Enrico Bianco para os primeiros filmes (em curta-metragem) de Joaquim Pedro de Andrade, “O poeta do castelo” e “O mestre de Apipucos", lançados em 1959 como um único filme, sendo ambos documentários que retratam, respectivamente, as intimidades do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre. Bianco projetou o letreiro destes curtas sem explorar o movimento, concebendo-os como cartões estáticos, porém diagramados dinamicamente dentro de princípios modernos. Embora não seja creditado, mas pela semelhança com estes trabalhos, imagina-se que Bianco também tenha sido responsável pelo moderno design do letreiro do filme seguinte de Joaquim Pedro, o curta “Couro de gato”, de 1960.

Letreiros de "O poeta do castelo" e "O mestre de Apipucos"
O trabalho de Bianco talvez marque o primeiro contato da linguagem gráfica moderna com o movimento Cinema Novo. Este movimento surgiu como uma reação contra os filmes nacionais escapistas, como as chanchadas, e contra o padrão hollywoodiano, que era seguido pelos filmes da Vera Cruz, a favor de um cinema temático e formalmente mais puro no comprometimento com as nossas origens, nossa cultura, nossa realidade social.

Letreiro de "Couro de gato"
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Este texto (que continuará em outras postagens) foi originalmente apresentado no 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design (P&D), em 2010.

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Para saber mais sobre o design gráfico brasileiro nos anos 1960, vale a pena ler
"O Design gráfico brasileiro - anos 60" de Chico Homem de Melo, publicado pela
Cosac Naify. O livro pode ser encontrado no site da Livraria Cultura.
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