setembro 06, 2011

A inserção do design moderno nos letreiros dos filmes brasileiros - parte 4

Outros designers, outros letreiros dos anos 1960

Seguindo a febre dos letreiros elaborados nos anos 1960 (desencadeada a partir do sucesso dos trabalhos de Saul Bass e dos letreiros dos filmes das franquias 007 e A Pantera Cor-de-Rosa), surgem no cinema nacional trabalhos notáveis de alguns designers, artistas, ilustradores e animadores que criaram obras de referência, no entanto atuando de uma forma mais esporádica, ao contrário de Lygia Pape e Roberto Miller (vistos em postagens anteriores). Um nome que merece destaque especial é o de Valdi Ercolani, do qual se tem notícia somente o design de dois letreiros, feitos para “Noite Vazia” (1964) e “O corpo Ardente” (1966), ambos dirigidos por Walter Hugo Khouri. Assim como em Miller, Saul Bass exerceu uma forte influência sobre os letreiros de Ercolani, sendo sua sequência para “Noite Vazia” uma espécie de releitura do letreiro de Bass para o filme “Spartacus” (1960). Entretanto, apesar da influência ser evidente, Ercolani reveste com um novo significado a idéia de Bass, dando originalidade para a sequência (que consiste numa série de esculturas de faces e bustos dilacerados que se interpenetram em lentos dissolves), criando uma peça fílmica muito bem fotografada, combinada aos créditos que são apresentados numa delicada proporção e num adequado estilo tipográfico, resultando num dos mais belos e mais bem acabados letreiros do cinema nacional.


Noite vazia letreiro por graphicinema
O letreiro de Ercolani para “O corpo ardente” é também notável no acabamento. Tendo tido experiência profissional na área da publicidade em Los Angeles, Ercolani trouxe a influência do design moderno norte-americano não só para os letreiros, mas também para a publicidade cinematográfica brasileira. Além dos letreiros, Ercolani também fez os cartazes de divulgação de “Noite Vazia” e “O corpo ardente”. O primeiro inclusive contém um design evidentemente inspirado no símbolo gráfico criado por Saul Bass para o filme “Anatomy of a murder” (1959) de Otto Preminger.

A publicidade moderna norte-americana influenciaria também a linguagem de outros esporádicos title designers brasileiros, como Glauco Rodrigues que, junto com o norte-americano David Drew Zingg, concebeu o letreiro de “Garota de Ipanema”, em 1967; ou o designer anônimo (não creditado) do letreiro de “Bebel garota propaganda” (1968), filme de Maurice Capovilla que trata justamente do mundo da publicidade. O letreiro deste filme é outro marco do title design nacional nos anos 1960, tanto pela inventividade, como pela forma como reflete a cultura e a linguagem visual da época, sendo uma espirituosa collage de diversos stills publicitários.


Bebel garota propaganda letreiro por graphicinema

O estilo do letreiro também está muitas vezes relacionado ao estilo do diretor que, principalmente a partir dos anos 1960, passou a dar mais atenção a esta sequência do filme, considerando-o como parte da sua proposta narrativa. Esta influência do diretor pode ser percebida nos letreiros de “Todas as mulheres do mundo” (1966) e “Edu coração de ouro” (1967), criados por Jaguar e pelos Irmãos Capela, respectivamente. O que se percebe em ambos é a marca do diretor Domingos Oliveira, mais do que a marca dos designers. Em ambos os filmes, Oliveira congela a ação narrativa para o aparecimento dos créditos, criando efeitos cômicos e irreverentes, ou apresenta os créditos associados à ação, como no final do letreiro de “Edu coração de ouro”, no qual os créditos sobem pesadamente, refletindo o cansaço do personagem que está subindo uma escadaria.


Assim como é notável o trabalho tipográfico no letreiro de "Edu", também o é no letreiro de Ziraldo para “Os cafajestes” (1962). O cartunista Ziraldo, embora tenha feito dezenas de cartazes de cinema, infelizmente, ao que parece, projetou poucos letreiros. Seu trabalho mais digno de nota está em “Os cafajestes”, no qual os créditos são apresentados depois de um tempo de ação narrativa, no qual o personagem de Jece Valadão é apresentado ao público. O título do filme aparece quando este personagem, do alto de uma janela, zomba da prostituta que enganara. O título surge pontuadamente sobre sua gargalhada de escárnio, vista atrás das tiras de uma persiana. Fragmentado tal como se também estivesse sendo visto entrecortado pela persiana, o título surge aos poucos: “cafa”, “cafajeste”, “os cafajestes”. Com esta solução, o título ganha mais sentido e, por outro lado, reforça o sentido da cena e a relação entre título e filme se estabelece.



Ziraldo sempre flertou com o design gráfico moderno em seus trabalhos impressos, entretanto sem nunca adotar por completo a rigidez do design proposto pela Escola de Ulm (que seguia o modelo do design moderno suíço). Entretanto, seu letreiro para “Os cafajestes” é um perfeito exemplo da estética modernista empregada nos letreiros. A inlfuência do design objetivo da Escola de Ulm também está presente no letreiro de "Os fuzis" (1964), um trabalho que inclusive remete aos letreiros de Lygia Pape. Demonstrando ecletismo, Ziraldo criou para "Grande sertão" (1965) um letreiro composto de uma montagem fotográfica, sobreposta por uma aparição pontuada dos créditos.























































































































O lado cartunista de Ziraldo está mais presente no letreiro de "Os cosmonautas" (1962), no qual, seguindo o layout criado por ele para o cartaz do filme, elabora uma simpática sequência animada, com as caricaturas dos protagonistas Ronald Golias e Grande Otelo.













































Famoso pelo célebre cartaz que criou para "Deus e o diabo na terra do sol", um marco do design gráfico brasileiro, Rogério Duarte também foi designer de letreiros. Não se sabe com precisão a total extensão da sua atuação neste segmento (fato que também ocorre quando levantamos os trabalhos dos demais title designers brasileiros), mas seu nome aparece como o responsável pelos letreiros, nos créditos do curta "Brasília, contradições de uma cidade nova" (1967) e do longa-metragem "Cara a cara" (1967).




O uso de fotografias, editadas de forma dinâmica, foi um recurso empregado com uma razoável frequência nos letreiros brasileiros. Um exemplo que merece ser citado é o trabalho de José Henrique Bello para "Garrincha, alegria do povo" (1962), no qual a câmera busca novos enquadramentos em fotos de partidas de futebol. Ao invés dos créditos se sobreporem às fotografias, eles são apresentados numa tela preta que, de forma fragmentada, vai ocupando o lugar da imagem.



Para finalizar, cabe citar alguns letreiros realizados por animadores, como os trabalhos de Ely Barbosa (supervisionado por Roberto Miller) para “O santo milagroso” (1966), de Anélio Latini Filho para “O levante das saias” (1967) e de Yppê Nakashima para “Panca de valente” (1968), todos animadores clássicos. Latini Filho é um pioneiro do cinema de animação brasileiro, tendo realizado o primeiro longa metragem animado de nosso país, "Sinfonia Amazônica", concluído em 1953. Nakashima foi também um pioneiro da animação. Tendo atuado na publicidade, realizando comerciais animados que fizeram história, lançou o longa metragem "Piconzé" em 1972, o mais bem acabado filme animado feito no Brasil até então. Seu letreiro para "Panca de valente" contém um design que lembra muito o de "Piconzé", contendo boas soluções na integração imagem-texto.



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Para conhecer mais o trabalho de Yppê Nakashima, vale a pena acessar o site:

www.nucleovirgulino.com.br/ypenakashima/

Nele é possível ver na íntegra "Piconzé", bem como um recente documentário sobre Nakashima, além de vídeos dos outros trabalhos do animador. Obrigatório para os estudiosos da animação nacional.
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